{Histórias de Família} Terra

 

Acervo Pessoal 

     Sempre que relembro uma história, a sensação é de, depois de um longo dia de trabalho, colocar os pés na grama fresca, assentar-se à sombra de uma árvore e tatear a terra. À luz de minhas histórias minhas raízes se tornam mais fortes. Sinto essa energia vital girando em torno do meu corpo. Ela tem um cheiro forte de mato. 
    Essa história tem o pano de fundo bem elaborado: uma mata cheia de árvores altas, bem mais altas que a criança que já fui. Elas eram quase infinitas. O mundo era gigante e acontecia a minha volta. O som das águas que moviam o moinho estava cada vez mais alto. A casa da fazenda cada vez mais distante. Eu me sentia segura com ele. Ele era alto e sua presença era confortável. Suas mãos calejadas eram só minhas agora. Ele acercava-se de mim, eu dele. Não sentia medo, só essa sensação de aventura.
     Próxima ao moinho as árvores antes espaçadas, agora eram mais próximas e de copas abundantes. Meu pai espia dentro do moinho: tudo certo. Ele planeja continuar nossa aventura. Mas eu tenho um pouco de medo: da cerca de arame com garras pontudas e da enorme caixa de maribondo. Ele insiste, mas meu medo nos impede. Eu pareço petrificada. Percebo que ele queria pular a cerca pra apanhar um abacaxi do outro lado. Eu o espero do lado de cá. Ele volta. Ele olha pra mim e ri. Eu disse algo engraçado porque ele ri uma risada ampla que mostra todos os dentes. 
     Ele tinha nas mãos um pequeno abacaxi. O menor que já havia visto até então. Ele tira o canivete do bolso, descasca o abacaxi e ali mesmo comemos assentados no chão. Era o abacaxi mais doce que já comi. Nunca me esqueci da sensação do abacaxi desmanchando na boca, escorrendo seu suco pelo braço, melando os dedos que grudavam entre si. Acho que nunca percebi meu pai quanto ali. Sem ser nada além de um desbravador que desfruta da sua descoberta. Perto dos 15 anos, em uma conversa na cozinha de casa, meu pai relembrou esse dia. O olhei com cumplicidade e sorri. Ele era mesmo um desbravador; ele esteve mesmo lá, como eu estive.


Comentários

  1. Deu pra sentir como se estivesse lá com vocês. Até o cheiro de mato deu pra sentir, que delícia! Eu só dispensaria o abacaxi, porque não gosto, mas fiquei curiosa com o tamanho. Linda lembrança, belíssimo texto, como sempre.

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