Estado de existir

 

          Não tem mais nada que me doa e possa virar poema. A fase da dor - guia e salvação - é tema de outro livro. Morrer um pouco a cada poema e ressurgir após um orgasmo de palavras tão profundas e intensas; universalmente falando, estar entre um planeta e suas luas, nada disso faz parte de um agora. Na verdade faz, mas não mais como guia. Não. A parte difícil de ter a necessidade de falar é realmente falar. Encerrar um ciclo não é tão difícil quanto recomeçar um novo. Quem sou do que sobrou? 
         Eu passei uma parte da minha vida questionando quem fui desde que nasci. Se fui boa em algo, em ser eu ou em qualquer outra coisa que valha a pena. Nunca acreditei em mim, e segui os últimos anos tentando "me forçar" a ser valiosa no passado, tentando enxergar quem eram as pessoas por trás dos meus traumas e com quais olhos elas observavam a minha capacidade de existir. Eu me hipnotizei no outro e sua opinião. Quanto do que dedicavam a mim - desafeto ou amor - era fruto da visão do próprio ideal ou da minha pura e simples existência? Sem expectativas. Só existir. Mais uma vez me apeguei ao porque com a única intenção de consertar o quebrado. Não que isso seja errado. Às vezes a gente precisa consertar algo pra seguir em frente e ressignificar o próprio existir. Como a arte japonesa do Kintsugi. O fato é que é cansativo caminhar com a carga da dor, mesmo ela sendo a única referência. Depois de anos cansada passei a questionar se era preciso MESMO carregar aquilo. Tanta dor. Passei a questionar se não existia uma versão mais saudável de se levar a vida. 
         Eu escrevi uma carta ao cara que praticava bullying comigo na escola. Ele já morreu e jamais poderá ler essa carta (não que ele fosse ler se estivesse vivo). Mas algumas coisas a gente precisa dizer pra gente mesmo. Quase me inundei com as minhas próprias lágrimas. Por mais que pertencimento seja a meta de vida do ser humano, não valorizar a própria existência pulveriza o pertencimento às cinzas. Não pertencemos ao outro se não pertencermos a nós mesmos. Não pertencemos a nós mesmos se não valorizarmos nossa existência como morada para poesia. Única e natural beleza de existir.







Comentários

  1. Eu não tenho nem o que comentar depois desse final: "Não pertencemos ao outro se não pertencermos a nós mesmos. Não pertencemos a nós mesmos se não valorizarmos nossa existência como morada para poesia." É isso. E espero que você em breve consiga se enxergar por conta própria como a maravilhosa que é. Te adoro demais. Beijo!

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    1. As vezes algumas fichas caem e a gente percebe o porquê de algumas escolhas e também muitas coisas que estava bem na nossa frente e não percebia. Obrigada pelo apoio!

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