Sobre a forma de sentir


Terminou de ler o livro levantou os olhos e olhou-o com olhar travesso. Levantou-se do sofá foi até o computador onde ele estava e puxou-o. Encostou-se na parede, puxou-o pra mais perto entregou um delineador labial e disse em voz suave: 

- Contorne os meus lábios. 

Ele olhou-a suspeito e sem entender, mas fê-lo lenta e cuidadosamente. Depois, ela pegou o objeto da arte e colocou-o na mesinha ao lado. Desabotoou a camisa dele lentamente encostou seu ouvido no peito dele, pegou um batom e desenhou um coração em seu devido lugar. Ainda sem entender olhou-a curioso, mas não disse nada. Não sabia onde queria chegar, mas conhecendo-a sabia que tudo isso tinha um propósito.

Desde o primeiro contato no café onde ela trabalhava e ele frequentava todos os dias depois do trabalho, tornaram-se amigos instantaneamente. Sempre admirou sua inteligência mordaz, sua língua ferina e seu senso de humor. Era ágil em pensar e atender os clientes. Tudo ao mesmo tempo. Admirou o modo de agir dela quando descobriu que o namorado a traíra com a melhor amiga. Mas também conhecia seus defeitos como ninguém. Seu jeito autoritário, sua maneira de demonstrar fortaleza, quando na verdade era totalmente delicada e quebrável, seu sonambulismo, que na verdade ele achava mais divertido que defeituoso. No dia em que ele decidiu zombar dela sobre isso, ela sem nenhuma afetação disse: 

- Você ronca como um carro velho e nem por isso te julgo. 

Ah, como ele amava essas respostas mordazes dela. Amava mesmo seus defeitos. Sim, descobriu algum tempo depois que estava apaixonado por ela. Perdidamente. Mas ela vivia dizendo que ele era o melhor amigo que ela já teve na vida. 

Entregou a ele um delineador para olhos preto e disse a ele. 

- Contorne meus olhos. 
    
Já não aguentando de curiosidade, perguntou: 

- Pra que tudo isso? 
      
- Só contorne. Ele o fez.
   
- Pronto. Agora eu sei a forma do seu coração e você sabe a forma dos meus olhos e dos meus lábios. Sabe, um dia desses, enquanto terminava o meu trabalho da faculdade na mesinha de centro da minha sala, você dormia no sofá de costas pra mim. Eu fiz com um dedo toda a forma das suas costas, desde o ombro até a cintura, e percebi que se quisesse enlaçar as minhas pernas na sua cintura, elas teriam um encaixe perfeito. 

- É? 

- É.

- E agora? O que acontece? 

- Agora tenha a decência de me beijar.




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